Henrique Otani
Quando o assunto é educação, o Brasil é unânime – ou, ao menos, deveria ser. As mazelas são conhecidas e soam mais como chavões se utilizadas em discursos: o sucateamento; as últimas colocações nos levantamentos mundiais; a desvalorização dos educadores; et cetera. A solução proposta, no entanto, é apenas uma: investir 10% do PIB no setor. Entretanto, se a solução fosse tão simples, bastaria investir 20% e a educação brasileira se tornaria uma das melhores do mundo.
Mas afinal, a atual situação da educação é resultado apenas da falta de investimentos? A resposta é óbvia: não. Basta observar o ensino pago e a sua idêntica má qualidade, e os inúmeros “levantes” populares em busca de mais verbas do estado se tornam questionáveis.
A principal doença que assola a educação brasileira é uma não muito comentada: a doutrinação. Há décadas, encontra-se em incursão um esquema que solapa qualquer chance de que os alunos aprendam a matéria – e nada além – em salas de aula. De uma análise crítica, são identificáveis três etapas nas quais a educação se baseia, formando um ciclo que, se não extinto, degradará cada vez mais o ensino, até que esse se torne mero instrumento doutrinador de acordo com os anseios do estado – ou da elite que dele se apodera.
I. Da destruição dos valores da família
Uma das maiores funções da família no desenvolvimento da criança é a de fornecer valores. Em uma família cristã, espera-se a formação da criança de acordo com a moral cristã. Não há alguém, em sã consciência, capaz de criticar tal ciclo, acusando a família de doutrinação ou imposição, uma vez que, ao amadurecer, o indivíduo goza da liberdade de continuar seguindo ou não a moral recebida durante o seu desenvolvimento.
Todavia, há décadas, observam-se diversas medidas tomadas no intuito de destruir a família – ou, no mínimo, seu conceito tradicional. De tal forma, a educação dada durante o desenvolvimento da criança manifesta-se como uma excelente forma de retirar a autoridade da família em sua formação moral.
Na edição de número 2074, a Revista VEJA divulgou uma pesquisa realizada em escolas. Na ocasião, 78% dos educadores consideravam “formar cidadãos” como sua maior função no ensino, em contraponto aos míseros 8% que responderam “ensinar a matéria”. No entanto, é necessário salientar que, na maioria das vezes, os valores da família do aluno diferem daqueles repassados na escola. Nesse caso, a única – e legítima – solução é o ensino doméstico.
Permitido em diversas nações desenvolvidas – Estados Unidos, Reino Unido e Austrália são alguns exemplos –, o homeschooling é “uma alternativa constitucional à falência da educação no Brasil”, como discorre o Professor Alexandre Fernandes Moreira em um longo e consistente artigo, no qual demonstra a constitucionalidade do ensino doméstico e faz uma constatação óbvia: a escola não é apenas um local em que se trocam informações, mas também onde são transmitidos valores aos alunos.
Portanto, abster a família de seu legítimo direito é apenas mais um mecanismo de um estado autoritário visando controlar até mesmo a mentalidade das futuras gerações. Com um ensino arraigado nos “moldes estatais”, as funções da família se resumem aos cuidados físicos e financeiros da criança. E nada mais.
II. Do ensino unilateral
Uma vez que detém, de modo inquestionável, o dever de ensinar a criança, o estado aproveita-se de sua superioridade e escolhe o que se deve ser ensinado ou condenado ao ostracismo. Em algumas ocasiões, a escolha é feita em nível inferior, na própria escola. Professores escolhem o que é necessário ou não dizer; o que é necessário ou não esconder; os nomes que devem ser idolatrados ou odiados. E nesse caso, o ensino unilateral é, obviamente, o da ideologia dominante.
O site Escola Sem Partido, há anos, denuncia casos de doutrinação nas escolas. Os exemplos são sempre semelhantes: as maldades do cristianismo; como o liberalismo econômico assola o ocidente; como os Estados Unidos matam inocentes; a necessidade urgente de uma reforma agrária; as ações virtuosas e libertadoras do MST; e tutti quanti. A mais emblemática, no entanto, decorre de um artigo de Mírian Macedo, no qual, cumprindo seu papel de mãe exemplar, explicita a doutrinação contida no material escolar de sua filha.
Ainda de acordo com a pesquisa da Revista VEJA, apenas 20% dos educadores consideraram-se ideologicamente neutros. Todavia, entre os entrevistados, alguns nomes admirados apareceram com bastante freqüência: Paulo Freire em 29% das respostas, antecedendo Karl Marx, com 10%. O terrorista – considerado herói entre a “elite intelectual” da atualidade – Che Guevera, aparece com 86% de citações favoráveis.
Conclusão: não é de se espantar que, entre os recém-formados do ensino básico, apenas nomes como Karl Marx, Friedrich Engels e Paulo Freire são conhecidos. No ensino superior, a situação é mais dramática, dado o nível de formação que deveria ser oferecido aos alunos. Para os cursos de filosofia, Mário Ferreira dos Santos não existiu. Não é incomum um graduando em economia – ou até um docente – desconhecer nomes importantes da Escola Austríaca.
III. Da formação de “intelectuais orgânicos”
As gerações de novos educadores, submetidas à doutrinação durante sua formação, tendem ao reestabelecimento do ciclo. A maioria, não conseguindo “nadar contra a maré”, adere aos mesmos métodos de ensino de seus velhos mestres.
De tal constatação, decorre uma consequência danosa ao conhecimento: o esquecimento das idéias que, na viseira ideológica, localizam-se diametralmente opostas ao discurso dominante. Em uma sociedade dita democrática, devem coexistir todas as ideologias, sendo essa a única maneira de se aprimorar a própria democracia, através de debates entre seus representantes e a adesão da população a uma ou outra corrente com que tenha maior afinidade. A liberdade de escolher a mais adequada corrente de idéias – de acordo com os valores do próprio indivíduo – é, no entanto, impossibilitada, uma vez que apenas a hegemônica é disseminada.
A formação exclusiva de novos intelectuais orgânicos – de acordo com a definição de Gramsci –, resulta em uma hegemonia da esquerda sobre a mentalidade coletiva. Para Olavo de Carvalho, é o “Imbecil Coletivo”. Sendo assim, a nova intelectualidade militará em defesa das idéias que, de alguma forma, compuseram as suas próprias, formando um rebanho de novas mentes igualmente incapazes de raciocinar ao mesmo tempo em que desvinculam-se dos interesses de suas classes ou grupos sociais.
Possíveis reações ao ciclo descrito são de difíceis aplicações, uma vez que: (1) se contrapõem diretamente aos interesses do estado; (2) interferem, de modo negativo, na incursão do movimento revolucionário, sobretudo na hegemonia da esquerda na esfera cultural; (3) mesmo que aplicadas, os efeitos só se manifestariam em algumas gerações, estabelecendo uma espécie de nivelamento no repasse de ideologias, não impedindo, de fato, que uma ou outra se sobressaia.
Logo, as soluções são extremamente complexas. A legalização do ensino doméstico seria um grande avanço, mas não o suficiente. Nos Estados Unidos, os adeptos do homeschooling representavam, em 2007, menos de 3% dos alunos. No Brasil, levando-se em consideração fatores econômicos e culturais, a representação seria ainda menor. Portanto, medidas extras teriam de ser adotadas no intuito de blindar o restante dos alunos da doutrinação – é necessário salientar: não só de esquerda, mas de qualquer imposição de valores. Todavia, essas medidas, de uma ótica operacional, tornam-se quase impossíveis com uma simples análise do sistema de ingresso nas faculdades brasileiras: o famigerado vestibular.
A conscientização popular acerca das causas que defendem – como o aumento de investimentos na educação, na crença irracional de improváveis melhoras – é fundamental antes de qualquer outra mudança.
Notas e referências:
“Pela ensinança das crianças: também quero meus 10%”: artigo de Flávio Morgenstern com uma excelente reflexão acerca das reinvindicações em favor de 10% do PIB investidos na educação.
A pesquisa da Revista VEJA está disponível em seu acervo digital. A edição é a de número 2074, de 20 de agosto de 2008.
“Homeschooling: uma alternativa constitucional à falência da Educação no Brasil”: artigo do Professor Alexandre Fernandes Moreira acerca da constitucionalidade do ensino doméstico.
“Prólogo de O Imbecil Coletivo”: disponível no site do filósofo Olavo de Carvalho. O livro está à venda na livraria virtual do Seminário de Filosofia.
O Escola Sem Partido cumpre um importante papel na denúncia de casos de doutrinação ideológica no âmbito da educação brasileira.
Artigo originalmente publicado em Sapientia et Varitas.